quinta-feira, 29 de julho de 2010

PREDESTINAÇÃO: EQUIVOCO DAS NOÇÕES FATALISTAS

Razão da existência de tantas religiões, o empenho para conferir significação aos mistérios mais inquietantes da vida é revelador de uma verdade irrefutável: o ser humano é obstinado para tocar o transcendental. Praticamente a história de todos os povos e religiões reflete isso. Os muitos porquês são os propulsores: o próprio esforço pelas respostas é sacralizado dentro da construção do sagrado.

Sendo uma dessas construções, a noção do destino permeia praticamente todas as religiosidades conhecidas, do passado e presente. O cinema, a música e o senso-comum popular reproduzem essa inclinação: que o destino dos indivíduos está traçado desde muito antes do nascimento. A trilogia Matrix abordou o assunto, e os ditados populares, tão repetidos acrítica e ingenuamente, também expressam modernamente tal idéia primitiva: “pau que nasce torto nunca se endireita”, “filho de peixe, peixinho é”, “o que tem de ser será”. Velhos refugos sempre reavivados no imaginário coletivo das sociedades contemporâneas como materialização do controle de pensamento.

No orientalismo essa característica é mais forte.  As religiões orientais são fortemente predestinistas fatalistas: Nada pode impedir o destino já determinado de cada pessoa, não importando o que aconteça.  Reencarnação, karma, transmigação da alma, existências múltiplas em outros planetas..., são muitos os reforços da idéia de destino. Como os mitos, criados para simplificar a compreensão da existência, a predestinação é uma forma de domesticar o desconhecido e mais que isso; em alguns casos, uma maneira de adestrar o próprio homem.  

Uma Noção Primitiva

Idéias presentes nas religiões da antiguidade, sobretudo pagãs, a predestinação e o fatalismo há muito tempo são usadas como instrumento de dominação. Na Índia, os Street Dwellers (habitantes das ruas) morrem aos milhares sob o olhar não desapercebido de uma população indiferente a dor do outro, apêndice da crença na predestinação. “O destino ou karma lhes reservou isto, eles precisam passar por pobreza e privações extremas para que tenham melhor sorte na próxima vida”, pensa a sociedade acerca dos parias, dos socialmente marginalizados. Mesmo os duplos recusam-se a minorar o sofrimento de alguém que está morrendo aos poucos: crença religiosa como instrumento de alienação. O miserável de rua não pode ser ajudado; se for receberá um karma negativo na próxima reencarnação! Madre Tereza de Calcutá era recriminada pelos próprios street dwellers por tentar ajudar ao próximo tão cheio de necessidades e dores. 

Predestinação fatalista, eficaz instrumento de controle ideológico legitimador do domínio político, econômico e religioso das elites dirigentes da Índia. Desumanidade que anula a razão, nutre a passividade e o conformismo. Nunca o conceito de religião ópio teve uma exemplificação tão perfeita. Contudo, mais ardiloso é quando se camufla com roupagem cristã. 

A Predestinação nas Escrituras

Diferente do que ocorre com as grandes Doutrinas Cristãs, a doutrina da predestinação não costuma ser uma unanimidade entre os cristãos. Geradora de controvérsias, possui basicamente dois esquemas de compreensão. Um que é conseqüência da presciência: Deus previu os que seriam crentes e os incrédulos. Os que não recusariam o dom da salvação foram preparados para serem alcançados por ela. O outro deriva de uma noção com características semelhantes ao orientalismo, é determinista, fatalista: Deus, antes da fundação do mundo, predestinou alguns para serem salvos e a maioria para passar a eternidade no inferno. 

Por serem tão antagônicos, ambos os esquemas não podem estar certos, e serem a um só tempo a verdade. Portanto, um é a verdade conforme as Escrituras, o outro fatalmente é heresia. Qual dos esquemas está com a razão?

Predestinação e Livre Escolha no Antigo Testamento

No AT é notória a convicção do povo de Israel de ser nação eleita, povo especial de Deus na terra. Tal predestinação ou eleição nacional baseada em promessas divinas fortaleceu a identidade étnica do povo hebreu e consolidou a religião monoteísta conhecida como judaísmo. As profecias robusteceram a crença na raça de onde viria o Messias, nas promessas de possessão da terra prometida, prosperidade material, povo-feito-evidência do cumprimento dos propósitos soberanos divinos na terra, etc.

Não encontramos, entretanto, base sólida no AT para a construção de uma doutrina que pudesse ser aplicada a pessoas, individualmente, como predestinados por Deus para salvação celestial.

A idéia do livre arbítrio ou livre escolha é mais prevalente no Antigo Testamento no tocante ao relacionamento com Deus – o indivíduo ou mesmo nação tinha o poder da escolha, poderia se voltar para Deus, ou dar as costas à Ele. Vejamos! Observe cuidadosamente as palavras em negrito dos textos selecionados. Atente igualmente para o uso variado de traduções (Almeida Corrigida e Revisada Fiel, Revista e Corrigida, Revista e Atualizada, Nova Versão Internacional) para mostrar que em qualquer tradução é fácil mostrar as incoerências da visão determinista da predestinação.  

Livre Escolha em Lúcifer

Is 14.12,13,14: Como caíste desde o céu, ó estrela da manhã, filha da alva! E tu dizias no teu coração: Eu subirei ao céu, acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono, e no monte da congregação me assentarei, aos lados do norte. Subirei sobre as alturas das nuvens, e serei semelhante ao Altíssimo. (Versão Almeida Corrigida e Revisada Fiel - ACF)

Ez 28.15-17: Perfeito eras nos teus caminhos, desde o dia em que foste criado, até que se achou iniqüidade em ti. Na multiplicação do teu comércio encheram o teu interior de violência, e pecaste; por isso te lancei, profanado, do monte de Deus, e te fiz perecer, ó querubim cobridor, do meio das pedras afogueadas. Elevou-se o teu coração por causa da tua formosura, corrompeste a tua sabedoria por causa do teu resplendor; por terra te lancei, diante dos reis te pus, para que olhem para ti. (ACF)

Livre Vontade no Primeiro Casal

Adão e Eva comeram do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, desobedecendo a uma ordem direta de Deus.

Gn 3.6: Quando a mulher viu que a árvore parecia agradável ao paladar, era atraente aos olhos e, além disso, desejável para dela se obter discernimento, tomou do seu fruto, comeu-o e o deu a seu marido, que comeu também. (NVI).

Livre Arbítrio na Raça Humana

Dt 30.19: "Hoje invoco os céus e a terra como testemunhas contra vocês, de que coloquei diante de vocês a vida e a morte, a bênção e a maldição. Agora escolham a vida, para que vocês e os seus filhos vivam,...” (NVI).

Os céus e a terra tomo hoje por testemunhas contra vós, de que te tenho proposto a vida e a morte, a bênção e a maldição; escolhe pois a vida, para que vivas, tu e a tua descendência, (ACF)

Js 24.15; 20-22: Porém, se vos parece mal aos vossos olhos servir ao SENHOR, escolhei hoje a quem sirvais; se aos deuses a quem serviram vossos pais, que estavam além do rio, ou aos deuses dos amorreus, em cuja terra habitais; porém eu e a minha casa serviremos ao SENHOR.
Se deixardes ao SENHOR, e servirdes a deuses estranhos, então ele se tornará, e vos fará mal, e vos consumirá, depois de vos ter feito o bem. Então disse o povo a Josué: Não, antes ao SENHOR serviremos. E Josué disse ao povo: Sois testemunhas contra vós mesmos de que escolhestes ao SENHOR, para o servir. E disseram: Somos testemunhas.(Versão Almeida Corrigida e Revisada Fiel)

Ec 7.29: Eis o que tão-somente achei: que Deus fez o homem reto, mas ele se meteu em muitas astúcias. (ARA)

Ez 18.20: Aquele que pecar é que morrerá. O filho não levará a culpa do pai, nem o pai levará a culpa do filho. A justiça do justo lhe será creditada, e a impiedade do ímpio lhe será cobrada. 

Ez 18.23: Teria eu algum prazer na morte do ímpio? Palavra do Soberano, o Senhor. Ao contrário, acaso não me agrada vê-lo desviar-se dos seus caminhos e viver?  (NVI).

Ez 18.30-32: "Portanto, ó nação de Israel, eu os julgarei, a cada um de acordo com os seus caminhos. Palavra do Soberano, o Senhor. Arrependam-se! Desviem-se de todos os seus males, para que o pecado não cause a queda de vocês. Livrem-se de todos os males que vocês cometeram, e busquem um coração novo e um espírito novo. Por que deveriam morrer, ó nação de Israel? Pois não me agrada a morte de ninguém. Palavra do Soberano, o Senhor. Arrependam-se e vivam! (NVI).

Ez 33.11,12: Diga-lhes: Juro pela minha vida, palavra do Soberano, o Senhor, que não tenho prazer na morte dos ímpios, antes tenho prazer em que eles se desviem dos seus caminhos e vivam. Voltem! Voltem-se dos seus maus caminhos! Por que o seu povo haveria de morrer, ó nação de Israel? A retidão do justo não o livrará se ele se voltar para a desobediência, e a maldade do ímpio não o fará cair se ele se desviar dela. E se o justo pecar, não viverá por causa de sua justiça.

Ez 33.18-20: Se um justo se afastar de sua justiça e fizer o mal, morrerá. E, se um ímpio se desviar de sua maldade e fizer o que é justo e certo, viverá por assim proceder... “Mas eu julgarei cada um de acordo com os seus próprios caminhos”.


Obs - Gostaria de abrir um parêntese aqui para ressaltar como é crucial observarmos com zelo os textos selecionados do livro de Ezequiel. Eles não fariam nenhum sentido se Deus já tivesse predestinados os ímpios para serem condenados. A mensagem de responsabilidade pessoal diante das advertências de Deus é inquestionavelmente objetiva. E em relação a toda a Escritura, os capítulos 18 e 33 de Ezequiel (e acrescento Ezequiel 3.18-21) são os mais claros, com evidencia gritante, quanto ao poder de escolha do homem e sua responsabilidade individual para trilhar os retos caminhos de Deus ou negá-los. Seria a miopia dos predestinacionistas proposital ou inconsciente? Conseqüência de elucubrações preconceituosa e acriticamente selecionadas? Engessamento e nulificação do raciocínio pela crença cega em doutrinas da religião? Tais questionamentos são indispensáveis, uma vez que negar a objetividade e clareza de tais textos pode ser mais que desonestidade intelectual, pode ser resultante do marionetismo de seres humanos na ingênua e vã crença de que são fantoches de Deus. É surpreendente a capacidade da religião para levar pessoas a valorizar ensinos históricos de homens em detrimento das Escrituras. Duas visões, tão diferentes, tão opostas entre si: o que está em jogo é a noção equivocada ou correta do caráter de Deus. As implicações do predestinacionismo são inequívocas: inexistencializam as virtudes de Deus a partir do próprio desvirtuamento delas.


Prosseguindo.

Ml 3.7: “Desde o tempo dos seus antepassados vocês se desviaram dos meus decretos e não lhes obedeceram. Voltem para mim e eu voltarei para vocês”, diz o Senhor dos Exércitos. (NVI)
    

Obs – A chamada constante de Deus para o arrependimento humano também não teria lógica se o próprio Deus tivesse predestinado o homem para a obstinação rebelde e desobediência. Insistir nesse (pseudo) raciocínio, levaria invariavelmente a uma conclusão: Deus seria o responsável e, de fato, o único merecedor de ser culpabilizado pelas rebeliões dos não predestinados para a salvação, exatamente porque foram predestinados à perdição. O óbvio: a predestinação fatalista contraria a lógica e o espírito das Escrituras.  
   

Livre Escolha no Novo Testamento

Mt 7.13:Entrem pela porta estreita, pois larga é a porta e amplo o caminho que leva à perdição, e são muitos os que entram por ela”.


Obs – O que o versículo sugere? Que Deus predestinou a maioria para entrar pela porta que leva à perdição ou que são as pessoas que livremente decidem entrar por ela? Se foi Deus, o texto fica desprovido de sentido e de lógica e não haveria nenhuma pedagogia aqui então.


Mt 10.32,33,40: Portanto, qualquer que me confessar diante dos homens, eu o confessarei diante de meu Pai, que está nos céus. Mas qualquer que me negar diante dos homens, eu o negarei também diante de meu Pai, que está nos céus. 
Quem vos recebe, a mim me recebe; e quem me recebe a mim, recebe aquele que me enviou (ACF).

Mt 17.12: “Mas eu lhes digo: Elias já veio, e eles não o reconheceram, mas fizeram com ele tudo o que quiseram. Da mesma forma o Filho do homem será maltratado por eles” (NVI).

Mt 23.37: Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te são enviados! Quantas vezes quis eu ajuntar os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintos debaixo das asas, e tu não quiseste! (ARC)


Obs - Eu li direito? A soberania de Deus foi solapada? Para um predestinacionista, provavelmente sim? Deus quis, mas Jerusalém, ou seja, o povo de Israel não quis? Esse versículo ou deve doer ou causar incredulidade no calvinista. É pertinente perguntar a ele: você considera este versículo uma heresia? Prevaleceu a vontade de homens e não a de Deus? Ou Deus respeita a decisão humana? Em fazendo isto, Sua soberania é ferida?


Jo 3.16-19: Porque Deus tanto amou o mundo que deu o seu Filho Unigênito para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna. Pois Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para condenar o mundo, mas para que este fosse salvo por meio dele. Quem nele crê não é condenado, mas quem não crê já está condenado, por não crer no nome do Filho Unigênito de Deus. Este é o julgamento: a luz veio ao mundo, mas os homens amaram as trevas, e não a luz, porque as suas obras eram más.


Obs – O versículo 17 também não teria sentido em afirmar que Jesus não veio para condenar o mundo se a maior parte do mundo tivesse sido predestinada a condenação eterna. Você consegue discernir como não é possível conciliar a visão determinista da predestinação com as Escrituras?


Jo 3.36:Quem crê no Filho tem a vida eterna; já quem rejeita o Filho não verá a vida, mas a ira de Deus permanece sobre ele". (NVI)

Jo 6.35: Então Jesus declarou: "Eu sou o pão da vida. Aquele que vem a mim nunca terá fome; aquele que crê em mim nunca terá sede.

Jo 6.51: “Eu sou o pão vivo que desceu do céu. Se alguém comer deste pão, viverá para sempre. Este pão é a minha carne, que eu darei pela vida do mundo”. 


Obs - Mas o sacrifício de Cristo não foi apenas para alguns predestinados como afirma o calvinismo? A Bíblia ensina que o sacrifício vicário foi para o mundo inteiro, ou seja, todas as pessoas. É o caso de se perguntar: a Bíblia é que está errada e o calvinismo certo?


Jo 10.9: Eu sou a porta; quem entra por mim será salvo. Entrará e sairá, e encontrará pastagem.

At 2.41: De sorte que foram batizados os que de bom grado receberam a sua palavra; e, naquele dia, agregaram-se quase três mil almas. (ARC)

At 3.14: Vós, porém, negastes o Santo e o Justo e pedistes que vos concedessem um homicida.

Rm 1.16: Porque não me envergonho do evangelho de Cristo, pois é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê; primeiro do judeu, e também do grego.

Rm 1.25: Pois mudaram a verdade de Deus em mentira, e honraram e serviram mais a criatura do que o Criador, que é bendito eternamente. Amém.


Obs - Pergunta-se: pessoas mudaram a verdade de Deus servindo e adorando mais as coisas e seres criados por livre escolha ou foram predestinados para isso? Se Deus predestinou como poderia lamentar algo que Ele mesmo predeterminou? 


Rm 4.8: Bem-aventurado o homem a quem o Senhor não imputa o pecado. (ARA)


Obs - E Deus poderia imputar pecado ou, traduzindo, atribuir culpa a quem já foi predestinado por Ele próprio para pecar? 


Rm 6.19: Falo como homem, pela fraqueza da vossa carne; pois que, assim como apresentastes os vossos membros {para} servirem à imundícia e à maldade, assim apresentai agora os vossos membros {para} servirem à justiça para a santificação.


Obs - Seria de perguntar: Deus primeiro predestinou seus fantoches para o pecado e depois para a santificação? Mais uma vez o livre arbítrio está explícito.


Rm 10.3: Porquanto, ignorando a justiça que vem de Deus e procurando estabelecer a sua própria, não se submeteram à justiça de Deus. (NVI)

Rm 10.12-16: Porquanto não há diferença entre judeu e grego, porque um mesmo {é} o Senhor de todos, rico para com todos os que o invocam. Porque todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo. Como, pois, invocarão aquele em quem não creram? E como crerão naquele de quem não ouviram? E como ouvirão, se não há quem pregue? E como pregarão, se não forem enviados? Como está escrito: Quão formosos os pés dos que anunciam a paz, dos que anunciam coisas boas! Mas nem todos obedecem ao evangelho; pois Isaías diz: Senhor, quem creu na nossa pregação? (ARC)


Obs - Livre Arbítrio de novo, novamente, toda hora!


Tg 1.14: Ao contrário, cada um é tentado pela sua própria cobiça, quando esta o atrai e seduz (Almeida Revista e Atualizada - ARA).

Ap 3.20: Eis que estou à porta e bato. Se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei e cearei com ele, e ele comigo.


Obs - Acaso o texto sugere que foi Jesus quem predeterminou o “alguém” a abrir a porta ou esse “alguém” tem a liberdade para abri-la ou deixá-la fechada conforme desejar?

A predestinação sugeriria um arrombamento, o que tem relação com o diabo e não com Deus.

Já usamos textos suficientes, em número até exagerado, malgrado muitos outros pudessem ser utilizados para demonstrar verdades insofismáveis: primeiro, que Deus dotou o desejo humano com o poder natural de escolha e liberdade para receber ou rejeitar a salvação oferecida a todos sem distinção, “ao mundo inteiro”. Ninguém é forçado ou pré-determinado para isto. E o mais relevante: o demonstramos com textos do AT e do NT para desmascarar alguns grupos que dizem que o livre arbítrio só existiu até o Éden.

Segundo, que
temos que fazer uma escolha: crer na Bíblia ou no calvinismo. Em ambos, simultaneamente, não é possível, como as próprias Escrituras comprovam.

Desconstruindo  Ídolos

Por outro lado, a idéia de que alguns versículos no Novo Testamento sugerem a idéia de que Deus escolhe alguns para a salvação e outros não, fundamenta-se em interpretações forçosas de textos isolados e descontextualizados, como já demonstramos em artigo anterior. E conforme o texto de 1 Pe 1.2 - que diz “Eleitos segundo a presciência de Deus Pai...” – presciência ou pré-conhecimento de Deus não significa preordenação. O fato de Deus saber com antecedência quem não iria recusar a salvação, não significa dizer que Deus predeterminou arbitrariamente os que seriam salvos. 

Em outros casos, quando Deus escolheu alguns para funções específicas, não implica a exclusão de outros. Os calvinistas, por exemplo, erroneamente interpretam Jo 15.16: Vocês não me escolheram, mas eu os escolhi para irem e darem fruto, fruto que permaneça, a fim de que o Pai lhes conceda o que pedirem em meu nome”.


Jesus escolheu os discípulos para que, pela instrumentalidade deles, o Evangelho fosse propagado. Pelos “frutos” dos discípulos outros seriam feitos discípulos. E a multiplicação de discípulos resultaria na salvação alcançando muitos.
A visão é inclusiva e não excludente, como interpreta a fé reformada. Não quer dizer que o pequeno grupo de discípulos foi predestinado para o céu e toda uma sociedade não. É semelhante à eleição de Israel. Da descendência de Davi veio o Messias para que por meio dEle a salvação chegasse aos gentios, ou seja, aos não-judeus.   

Em artigos posteriores corrigiremos a equivocada interpretação da fé reformada de outros versículos.

O Livre Arbítrio na História da Igreja

Na igreja primitiva havia uma aceitação natural da livre vontade humana nas questões referentes à vida eterna. Sequer havia discussões teológicas acerca da predestinação ou livre arbítrio nos primeiros quatro séculos da igreja. 

Arsênico Teológico

Agostinho, bispo de Hipona, que por volta de 400 d.C., foi quem criou e introduziu a doutrina da predestinação numa ótica determinista-fatalista na igreja, em controvérsia com Pelágio, que acreditava no poder de escolha do homem para seguir o bem ou o mal. Entendia que a Graça divina cooperava no processo de escolha do chamado divino. Agostinho por seu turno, baseou-se em Romanos 8.30 para elaborar a noção excludente de que Deus, antes da fundação do mundo, havia predestinado algumas pessoas para serem contempladas com a salvação. O grande erro de um dos principais sistematizadores das doutrinas romanistas e um dos pais das alegorizações mais medonhas da Bíblia, foi não ter observado que um versículo anterior (RM 8.29) mostra que a chave da predestinação é a presciência.     

Admirador de Agostinho, o reformador João Calvino exerceu o papel de ser o ampliador e propagador do agostinianismo, alicerçado na Vulgata Latina.

Calvino defendeu a predestinação (fatalista) assim: 

“Denominamos predestinação o decreto eterno de Deus, pelo qual decidiu o que acontecerá a cada homem. Pois não foram criados nas mesmas condições: alguns foram predestinados à vida eterna, enquanto outros à condenação eterna. E uma vez que o homem é criado para alcançar um destes alvos, dizemos que destinado à vida ou à morte.” (Intitutas, 111, 21, 5)


Calvino não poderia ser mais herético e antibíblico. O que ele afirmou entra em choque frontal não só com alguns textos das Escrituras, mas com todo o espírito das Escrituras. Vou usar apenas Romanos 10.12-16 e os versículos do livro de Ezequiel já citados neste artigo para refutar as declarações do “herético perfeito”. Para Calvino o ser humano era um fantoche, marionete nas mãos de Deus. Difamação do caráter divino era o que ele promovia de fato.   

Uma Boa Notícia

Embora a doutrina da predestinação tenha gerado muitas discussões, até extremadas e violentas, felizmente na maior parte dos séculos essas discussões restringiram-se aos círculos teológicos e do alto clero. O povo em geral, como ocorre ainda hoje, aceita naturalmente o livre arbítrio consoante o caráter de Deus apresentado nas Escrituras. Entre os evangélicos e protestantes, os que crêem no livre arbítrio são maioria absoluta. Muitos leigos dão amplas provas de que Deus imprimiu suas leis em nossos corações (Rm 2.14,15) e que são mais sábios que uma multidão de teólogos e como “teologias” podem ser tão nocivas.   

Considerações Finais

Pare e raciocine! Poderia Deus amar menos os seres humanos do que eu ou você? Meu desejo como filho de Deus por adoção e salvo pela graça é que todos sejam salvos, até o mais repugnante assassino ou corrupto. Deus seria capaz de amar menos do que eu, escolhendo amar apenas alguns, destinando milhões para o inferno? Se Deus escolheu alguns para salvar, não seria mais coerente um Deus de amor e perfeito escolher todos para salvar? Deus nos disse para amarmos nossos inimigos, porém nem Ele foi capaz da amar os Seus inimigos, e, detalhe, inimigos que ele próprio criou? É compreensível como o grande pregador batista Charles Spurgeon entreva em crise com a predestinação calvinista, uma teoria da qual apropriou-se. Ele não entendia como, como ser humano, era capaz de amar mais pessoas que o próprio Deus. E evangelizava com o empenho de quem desejava que todo o mundo fosse salvo.

É engraçado como, na impossibilidade de refutar biblicamente todos os versículos apresentados aqui, os predestinacionistas apelam para acusar alguém que não compartilha da neurose do seu ídolo de pentecostal (Não sou pentecostal, nem favorável a alguns questionáveis fenômenos carismáticos), herege ou ignorante, teólogo liberal, humanista, descrente, pseudosalvo, etc, e fazem uso de argumentos “extra-bíblicos” (e anti) com as falas de personagens históricos da fé reformada para “tentar” validar seus posicionamentos, apenas para prosseguirem no erro.

A noção determinista e equivocada da predestinação é antibíblica, pagã, herética, irracional e ilógica. É contrária ao espírito das Escrituras, desvirtua o caráter de Deus e proclama a maldade do Criador porque autor do mal, torna mentirosa a doutrina de queda, torna Deus culpado pelo pecado humano, dispensa o amor e a graça de Deus, torna sem efeito o sacrifício de Cristo por todos, nega a Escritura ao afirmar que Deus não ama a todos, torna sem sentido a evangelização em todo o mundo, posto que Deus já havia pré-selecionado quem seria salvo. Porque então pregar o evangelho a toda criatura? E Jesus nem precisava ter morrido na cruz! O predestinacionismo transforma em mentirosos vários autores da Bíblia! 

Não somos robôs, nem autômatos nas mãos de Deus. Ele nos deu liberdade para recebê-lo ou rejeitá-lo. É irônico como mesmo os pregadores predestinacionistas finalizam seus sermões com o apelo que deixa claro a liberdade de escolha: Quem quer receber a Cristo? Quem quer aceitar Jesus? Quem quer entregar sua vida a Jesus, recebendo-o como Salvador e Senhor?

Que deliciosa ironia!

Já passou da hora da predestinação fatalista e adjacências serem definidas pela igreja como monstruosidades ou aberrações teológicas saídas dos labirintos literários de homens vaidosos tornados reféns de seus próprios obscurantismos intelectuais. 

Tenhamos discernimento e bom senso para rejeitarmos as vacas sagradas perniciosas postas em pedestais teológicos bem altos ou em berlindas douradas. Usemos também de tintas grossas para desmistificar ídolos humanos!



Por Sandro Moraes

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